terça-feira, 28 de junho de 2011

Censuras em Literatura Infantil e Juvenil - parte 01

Algumas semanas atrás recebi de uma amiga querida, mãe de dois meninos, um e-mail a respeito dos termos empregados em um livro bastante adotado nas escolas: “A árvore que fugiu do quintal, de Álvaro Ottoni Menezes, que já está na sua 21º edição!

Dizia a mensagem da minha amiga: Como autora o que você acha da qualificação que ele dá para os gordos?(...) Em tempos de bullying vc não acha que estas qualificações ficam mal? (...) Fiquei pensando sobre o assunto e queria saber como isso é visto na literatura infantil.”

Abaixo segue um dos trechos do livro que causou dúvidas, não só na minha amiga, mas nas demais mães da escola:


“Vivíamos bem felizes até aparecer na cidade um homem grande, de nome Serjão, gordo feito uma baleia, com bigodão e voz grossa de meter medo. (...)  Serjão foi lá no quintal e mandou derrubar tudo (...) O baleião me revoltou.”


Fiquei muito feliz pela mensagem questionadora ter chegado a mim, principalmente porque na semana seguinte eu participaria de uma mesa sobre “Censuras na Literatura Infantil e Juvenil” e já vinha, portanto, refletindo com bastante atenção sobre o assunto.


Assim, embora tenha achado engraçadíssimo a árvore chamar o vilão da história de "Serjão baleião" concordo que este é um tratamento pejorativo, preconceituoso e desrespeitoso.
E acredito, sim, que há que se ter cuidado com o conteúdo dos livros.
Mas, atenção: cuidar não quer dizer tirar o livro da sala de aula ou proibir sua leitura.

Vivemos há pouco tempo uma grande polêmica sobre a obra de Monteiro Lobato, o maior nome da literatura infantil brasileira. Seus livros, que já foram queimados em pátios de escolas em tempos de outrora, por serem "comunistas e revolucionários", nos tempos atuais caíram na malha cada vez mais fina e perigosa do politicamente correto. Monteiro Lobato, através da Emília, que, segundo os estudiosos é o personagem que incorpora o alter ego do escritor, chama tia Nastácia de negra beiçuda e de macaca, entre outros termos pejorativos. Era Lobato racista? Sim, era. E por isso seus livros não irão mais pra sala de aula??!! Vamos deixar de ler para nossos filhos os livros que embalaram nossa infância? Caçadas de Pedrinho, Reinações de Narizinho, Memórias da Emília devem ser obras banidas das bibliotecas? Queimadas no pátio das escolas novamente? Lobato era racista sim, numa época em que toda a sociedade brasileira era extremamente racista. E, como sua literatura prezava por trazer para o debate questões atuais, por retratar sua época e sua sociedade – tendo como intenção e objetivo maior aproximar a literatura da gente, do povo e das crianças  – um dos seus recursos literários era o uso da linguagem coloquial. Assim, obviamente, suas obras reproduzem um discurso comum à época, repleto de termos usualmente empregados para tratar das pessoas negras. Nossa sociedade  viveu 380 anos de escravidão, não dá pra simplesmente esconder isso embaixo do tapete. É querer negar a história do Brasil. Não discordo dos que defendem que para se ler Lobato hoje é preciso contextualizar sua obra e o período em que foi escrita, afinal, Lobato já se tornou um clássico e os clássicos, para ampliar as leituras, devem ser contextualizados.

Enfim, os tempos mudam, a sociedade muda e, com ela, seus valores. Eu mesma, como escritora, não posso garantir que daqui há 30 anos, as coisas que digo e escrevo hoje não parecerão preconceituosas para uma sociedade que está sempre se reformulando e reconfigurando.

No entanto, as formas de censura parece que não mudam. Tirar o livro de sala de aula é censurá-lo! É privar os alunos de conhecer história e histórias. É evitar abordar certos assuntos, como se assim fosse possível negar sua existência. Ou ainda subestimar as crianças e jovens acreditando que eles não tem senso crítico nem valores e que levarão ao pé da letra o que está escrito. Como se o livro tivesse esse poder de, por si só, induzir ao comportamento racista, ao bulliyng, a violência... Frente a música, a internet, a tevê e todas as mídias a que os jovens e as crianças estão expostos – e nos quais se espelham como padrão de comportamento – eu acredito que o livro é menos perigoso, ainda mais quando lido em sala de aula, ou seja, quando a sua leitura poderá ser acompanhada de atividades e propostas que irão gerar análises, discussão e reflexão.


Livros não podem continuar sendo vistos como mais recipientes de um saber total e absoluto. Essa imagem, que acompanha a história do homem e da leitura, de tempos em que eram pouquíssimos os que detinham o conhecimento da leitura e da escrita e assim exerciam poder sobre os demais, já não faz sentido em tempos de globalização e superexposição das informações. Na literatura, livros são vozes de escritores, pessoas como nós, de carne e osso, que usam as palavras para se expressar. Sujeitos que, como todos nós, estão passíveis de terem suas idéias questionadas. E assim, se o livro tem conteúdo “questionável” (olha que bem empregado esse adjetivo!) isto  não é motivo para proibir sua leitura, em casa ou na escola, pelo contrário, é gancho, pra abrir conversas, pra falar de respeito ao próximo, de respeito as diferenças e aos valores de cada um. Muitas vezes os professores evitam tais livros pois não se sentem seguros para discutí-los com os alunos. Talvez eles também precisem entender que não são mais aquelas figuras que simbolizavam a autoridade máxima da sala de aula por serem detentora de um saber inquestionável. Hoje entendemos que os professores também tem muito o que aprender com os alunos e com uma boa conversa entre eles. "Tá certo chamar alguém assim?" "Por que o autor usou essas palavras?"" Na época que ele escreveu o livro podia e agora não pode, por quê?""Apelidos assim são ofensivos?" "Você já chamou alguém assim?" Como você se sentiria se alguém falasse algo assim pra você?"
Ensinar, é mais do que derramar matéria sobre o aluno, é estimular o pensamento crítico, o questionamento e a troca de idéias. Nem sempre a turma vai conseguir chegar a um veredicto sobre o assunto, haverá discordâncias porque não existe um única "verdade" e isso também deve ser ensinado

Um comentário:

  1. Marilia, só este semestre é que fui ler Lobato. Bem, também eu sou de fora e não passei minha infância no Brasil.

    Li Memórias de Emilia, e no final tem umas observações dela (Emilia) sobre cada personagem do Sítio. Olha só o que ela (ele?) diz sobre a "negrice" da Nastácia:

    "Só não compreendo por que Deus faz uma criatura tão boa e prestimosa nascer preta como carvão... Isso me leva a crer que a tal cor preta é uma coisa que só desmerece as pessoas aqui neste mundo. Lá em cima não há essas diferenças de cor" Essas últimas frases não estão justamente questionando o racismo?

    Às vezes eu sinto que as pessoas gostam de polemizar pelo puro prazer do conflito mesmo...

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